quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Arquitetura sob os Pontos de Vista do Mercado, da Academia e dos Usuários

Este texto originou-se de um trabalho acadêmico, e não tem uma forma acabada de um artigo ou nada parecido. Portanto, suas fontes são difusas e o objetivo é meramente o compartilhamento de idéias.

http://gialuca.blog.uol.com.br/images/arquiteta.gif



A produção arquitetônica sob o ponto de vista:

1-O mercado de arquitetura

Existem, a priori, duas grandes divisões nas formas de se atuar em arquitetura: Arquitetura à maneira do ensino na Universidade, com a cisão entre vivência e atuação profissional, e a outra: deixando-se de lado tudo o que foi aprendido e colocando o conhecimento em função da vida, e a vida em função de um trabalho mais humano. A cisão aludida acima é uma regra em nossa sociedade, onde temos, por exemplo, cidadãos que, na vida, se posicionam em favor do meio-ambiente, mas exercem um trabalho maléfico para o mesmo. Por isso, em constante contradição.



Portanto, no mercado de arquitetura temos aqueles que conservam o saber técnico como exercício de poder e outros que, mesmo sem saber concordam com Sérgio Ferro quando este diz que a produção da arquitetura é próxima ao saber operário, semi-artesanal, manufatura. E impressiona quando diz que a arquitetura poderia ser a mais radical das formas de arte, pois seus produtores possuem uma liberdade que poucos compreendem, e em diálogo, poderiam criar transformações substanciais no mundo.

Regra geral, a arquitetura é vista como território para especulação e predação do meio-ambiente em favor de interesses particulares. A cidade, para esses predadores, é o terreno onde tudo pode desde que dê lucro. Tudo o que fazem é agir dentro da lei, que respalda todo tipo de especulação, não importando o que pode resultar daí.






http://oferrao.atarde.com.br/wp-content/uploads/2009/05/vilabrandao.jpg






2-Produção acadêmica

Considerando que “produção acadêmica” seja o ensino de arquitetura, pensamos que, no geral, os cursos superiores também têm seu valor de troca, isto é, as pessoas fazem faculdade para obterem um retorno, para ascenderem de posição, se tornarem independentes. Visto isso, a ênfase na capacitação para a produção de mercadorias está implícita inclusive em cursos onde isso pareceria difícil de acontecer. Lembrando que a crítica restrita ao campo da academia corre o risco de se tornar inócua, já que as universidades respondem a uma lógica mais geral, que é a do capitalismo. A transformação das coisas em mercadorias, incluindo o conhecimento, a força de trabalho, e até o tempo é uma regra desse sistema que se iniciou quando os excedentes de produção passaram a servir à acumulação.


Mercadoria do arquiteto: Só intelectuais capacitados podem projetar o espaço.
http://ganimiarquitetas.vilabol.uol.com.br/projetos/projeto_fachada.jpg


No caso da arquitetura, essa mercadoria se cristaliza na figura do desenho, e também envolve a capacidade de articular os vários agentes produtores do espaço, e todo esse processo é separado e aglutinado novamente no desenho. As técnicas necessárias à elaboração do desenho são dominadas somente pelo arquiteto, possibilitando geração de renda, em função da submissão do canteiro, de forma a criar um trabalho alienado e que impossibilita a emancipação. Em resumo, um processo autoritário e vertical.

O texto nos lembra que, nas vésperas do golpe de 1964, havia um movimento interessante dos arquitetos, estudantes e assistentes sociais rumo às favelas e periferias, na tentativa de estabelecer um diálogo calcado nas práticas cotidianas, um verdadeiro exercício antropológico visando resultados práticos favoráveis à questão habitacional. Essa prática foi reprimida pela ditadura, pois funcionavam em regime de desidentificação com o aparelho do Estado, e além disso, demandava mais recursos para políticas sociais.




Favela: nem os intelectuais capacitados conseguem entender
http://www.ephphata.net/images/favela-bresil2.JPG


Esse fato histórico ajuda a compreender uma das atuações do Estado em relação às práticas não aprovadas pelo mesmo, de forma a manter tudo mais ou menos em seu lugar. O que não justifica que, tanto tempo após o início do processo de redemocratização, não tenhamos revisto essas possibilidades. É intrigante verificar que, em cinco anos de ensino de arquitetura, somos tão pouco encorajados a conhecer nossas favelas e periferias. Já sabemos que o aprendizado mais eficaz de uma lógica de vivência diferente da nossa é vivendo junto. Já que não é possível se mudar para a favela, seria absolutamente necessário criar pelo menos algum tipo de vínculo com esse território estranho, esse outro mundo no qual nos achamos capacitados a intervir. Se aprender a fazer arquitetura é aprender a fazer coisas construídas, como podemos não dar ênfase absoluta na questão habitacional, já que esse é de longe o maior problema que a arquitetura tem nas mãos. E seguimos insistindo em tentar fazer coisas bonitinhas a la Casa Cor, ou invejar como Frank Gerry e suas esculturas habitadas. Claro, dá mais dinheiro!

3-Usuário do espaço habitado.

Se estivermos falando de usuário pobre, essa relação se dá no âmbito da luta por moradia. Também no âmbito da autoconstrução, do do-it-yourself, dos mutirões auto-geridos, que caminham entre a luta contra a ordem e a necessidade de recursos públicos. Entre a militância e a cooptação; entre a politização num espaço de experimentação e a alienação e os riscos geológicos;

Se esse usuário for ainda mais pobre, o espaço habitado por ele é a cidade, por isso ele precisa lutar por um espaço em sua própria casa. Gostaria de citar um fato que aconteceu comigo ao participar de um evento sob o viaduto de Santa Tereza (BH), onde várias bandas barulhentas já haviam tocado. Lá pelas tantas, e durante mais uma banda, acorda um mendigo e grita: “cadê meu copo?”. Senti em sua voz um tom de ordem, como diria alguém que vê sua casa invadida por uma festa e acorda reivindicando o direito de participar. Esse fato foi um divisor de águas em meu raciocínio sobre os moradores de rua. A rua é seu lar. Portanto, a relação do morador de rua com o espaço habitado, para além de agregar a confusão entre público e privado que é praxe na sociedade brasileira, é de junção dessas duas noções. O público é privatizado (por exemplo, quando ele vai dormir em algum canto), e se torna público novamente, pela manhã.

Agora, se falamos do usuário que tem condições de pagar por um teto formal, temos uma relação com o espaço habitado que é de proteção, conforto, convivência privada, onde tudo acontece de forma diversa da rua. De preferência a casa deve se assemelhar a uma prisão, no que diz respeiot à dificuldade de se entrar sem autorização (na prisão, o inverso).

Via de regra, toma-se mais cuidado com a limpeza, por exemplo, o que não acontece quando se sai às ruas. O habitante formal padrão sai de casa e já começa a poluir o ar, com seus automóveis, que também servem de microcosmo protegido dos males da pobreza, assim como sua casa. Lugar e papel e cigarro é sempre no chão da rua.

Na hora da comprar a moradia, esse habitante geralmente acredita ter poder de escolha, dentro de sua condição financeira, claro. Mas no fundo ele sabe que pela mesma quantia poderia obter algo melhor. A insistência desse público em achar que não necessita de um arquiteto para construir sua casa na verdade é um sintoma do processo de projetação onde técnica é poder. Isso porque persiste o sentimento de que “não é possível que um desenho valha tanto dinheiro, e não é possível que um engenheiro, construtor de fato, não saiba fazer esses desenhos”.

Arquitetura Livre, Projeto Contínuo e Copyleft na arquitetura

Este texto partiu de considerações sobre o texto de Silke Kapp e Ana Paula Baltazar dos Santos, intitulado Arquitetura Livre, Projeto Contínuo.

Kapp e Baltazar dos Santos levantam a questão da autoria no projeto arquitetônico, lembrando que a primeira patente foi criada por Fillipo Brunelleschi, pelo projeto de um navio, em 1421. Daí surge a identificação da arquitetura como trabalho autoral de caráter intelectual, isto é, não resulta em construções, mas desenhos de arquitetura.

A produção do projeto arquitetônico cristalizou-se de forma a dividir o processo em demanda, projeto, construção e uso, em que o arquiteto detém a autoridade intelectual de todo o processo, se tornando o separador das várias etapas, e de aglutinador, através desse documento legitimador da organização nos canteiros de obra.

Os autores do texto denunciam o atrofiamento verificado na fase de entrega da obra para o uso, devido às limitações causadas por essa forma de produção. Os acontecimentos que escapam a essa lógica são vistos como ruídos, já que o arquiteto não os previu, e vê nisso um risco em relação a seu poder de decisão, que, afinal de contas, é remunerada.

Por outro lado, o texto aponta para uma produção aberta a “interferências”, que corre em paralelo a essa outra hegemônica, com princípios éticos semelhantes aos dos softwares livres. E lembra que essa produção nada tem de novo; basta olhar para qualquer favela brasileira, territórios onde a regra é a construção das moradias por seus próprios habitantes. Claro que nesse caso a lógica é invertida, já que seria desejável que essa produção fosse assessorada por profissionais.

Produção livre:

Um exemplo de inclusão dos usuários na produção é de autoria do arquiteto holandês Gerrit Rietveld (1888-1964). Sua produção de móveis foi feita nos moldes do do-it-yourself, e até hoje tem sua reprodução e modificação liberados.

O caráter autoritário potencializado no segundo pós-guerra influenciou a produção de Yona Friedman, que experimenta a elaboração de projetos habitacionais por seus moradores. A “arquitetura móvel” preconizada por ela é destinada à mobilidade social dos habilitantes a partir da possibilidade da reorganização contínua do espaço arquitetônico, privado e urbano. A metáfora da curva que representa a velocidade, a dimensão temporal, destinada à contemplação na arquitetura espetacular e escultural é rechaçada por Friedman, em defesa dessa nova forma de se lidar a questão do tempo/espaço, isto é, defesa da mobilidade, defesa da cidade criada para as pessoas, para organizações sociais em constante mutação. Questão muito oportuna em tempos de centenário de Oscar Niemeyer, novo centro administrativo em Belo Horizonte (não consigo me lembrar de exemplo mais evidente de arquitetura excludente, tanto pela localização quanto pelo projeto em si) e Frank Gerry.

Os autores do texto defendem, de forma bastante oportuna, a instituição do copyleft dos produtos advindos da arquitetura, o que permitiria a livre modificação dos desenhos e dos espaços, sem que nada seja apropriado autoralmente, para fins de mercado. Isto porque a figura do arquiteto deseja manter para si o poder de decisão, sem que de fato isso seja possível, dados os “ruídos” e “interferências” que acontecem durante e após o processo de produção, que não passam de uma constatação da flexibilidade inerente ao ser humano e aos processos sociais.



Spatial city – crítica da forma convencional de expansão urbana excludente e proposição de uma superestrutura que permitiria uma expansão sem ruptura entre centro e subúrbio.




Centro Administrativo de Minas Gerais – Ex prefeito de BH, Fernando Pimentel e (???).
Arquitetura excludente – saída da sede do poder do coração da cidade para um local inacessível e nada convidativo às manifestações populares.



A amplidão do entorno e a atmosfera privativa do projeto abafariam a voz de possíveis manifestantes e desencorajariam a permanência das pessoas.


La Meme, Lucine Kroll (1970-78)
Grupos de estudantes participaram do processo, e Kroll só começou os desenhos quando todos os conflitos estavam resolvidos.